sábado, 15 de janeiro de 2011

Novela em que bandido se dá bem é má dramaturgia, nada mais

O escritor de novelas Silvio de Abreu deu pistas de que seus vilões em Passione vão se dar bem. De novo! O mal sempre vence na cabeça desse senhor.
Porque o autor de folhetins odeia o "politicamente correto". E quer que seus telespectadores sejam "inquietos e aguçados". E saiam refletindo sobre a vida após sobreviverem durante meses aos seus capítulos previsíveis.
Ele se acha um subversivo por causa disso. Um gênio indomável. Um candidato ao Troféu Imprensa de Literatura. O homem se leva a sério! Que cafona.
Olha só a justificativa: "Gosto que a novela seja um pouco espelho da sociedade, e não é verdade que na sociedade em que a gente vive os vilões são castigados".
Também não é verdade que policiais gastem meses investigando um simples roubo de jóias, ou mesmo um assassinato, como o improvável personagem Diogo (que, ainda por cima, se torna amante da Mariana Ximenes, a bem do serviço público!).
Ou que um corno manso com nome de cachorro seja respeitado pela família e tenha como prêmio de consolação a Patrícia Pillar! Quanta ousadia. Um choque de realidade.
Como Silvio de Abreu também se acha acima da dramaturgia grega, reinventou o conceito aristotélico de catarse: "Quando o mocinho é recompensado e o bandido, castigado, não deixamos o público pensar".
Shakespeare, segundo esse raciocínio tosco, era um Paulo Coelho do século 17. Um babaca que escrevia autoajuda. Afinal, em que canto do universo os bandidos são realmente punidos?
Se não for na arte, na ficção, na utopia, em que outro maldito lugar vale a pena ser honesto e correto? Vá se catar! Ele que conte aos filhos dele uma história em que todos viveram infelizes para sempre.
Herói que se estrepa no final ainda não vi no horário nobre da Globo. Chico Mendes jamais seria protagonista. Nem uma heroína com vida sexual ativa, como os charmosos personagens do José Mayer. Isso o Silvio não banca, com toda a subversão que lhe cabe.
Mas canalhas que vão gastar no Caribe o dinheiro que roubaram, aí é arrojado, moderno, uma lição de objetividade. Ou um bígamo simpático e suas mulheres imbecis.
Se eu quiser saber como é a realidade, assisto ao noticiário de qualquer emissora. Leio meu holerite. Olho no espelho. Atravesso a rua. Não preciso de ninguém para isso.
Quero ver quem me faz uma pessoa melhor, mais "inquieto e aguçado". Só não me esfregue obviedades na cara. Vá ler algum escritor de verdade, desses que nos viram do avesso e nos largam no chão.
Não por acaso, o Sílvio tem "dificuldades para escrever cenas de amor". Claro, né? Com tanta amargura, como conseguiria articular a maior de nossas fantasias?
A teledramaturgia brasileira inventou o desfecho cínico, em que um bandido filho da mãe sempre manda uma banana para o idiota atrás da telinha. Nós. Bem feito, é o que dizem os letreiros finais.
Na primeira vez, até que OK. Vale tudo. Mas ficar repetindo esse truque sórdido a vida toda está mais para mau-caratismo mesmo. Quer que o mal prevaleça? Eleja-se senador e pronto, assunto encerrado.
Posso ser surpreendido. Mas se assassinos e psicopatas se derem bem no final da novela das nove, saiba de uma coisa, escrevente Silvio de Abreu: esse é o recado que o senhor quer passar. Nada além disso.
Não chame seu desencanto de arte, não se sinta melhor que ninguém. Apenas apague as luzes do estúdio de gravação. Seja o último a sair.

Nenhum comentário:

Postar um comentário