quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Gail Dines - Combate à pornografia

Por Andrea Dip
andrea.dip@folhauniversal.com.br


A norte-americana Gail Dines tem incomodado muita gente. Mais especificamente empresários que fazem do sexo um mercado lucrativo. Socióloga, professora, feminista, membro-fundadora do grupo “Stop Porno Culture” pelo fim da cultura pornográfica, Dines acaba de lançar o livro “Pornoland – Como a pornografia tem desviado nossa sexualidade” sobre racismo e degradação nos bastidores da indústria pornô: “A única coisa que excita os produtores pornô é a possibilidade de lucro”, diz ela.

1 – Por que você decidiu estudar os efeitos da pornografia?

Eu tinha 22 anos e trabalhava em um centro de atendimento a vítimas de estupro. Fui assistir a uma palestra antipornografia e aquela noite mudou a minha vida. Não consegui entender como alguns homens eram capazes de produzir tais imagens e outros pudessem ficar excitados com elas. Mudei o meu doutorado para pornografia e nos últimos 20 anos tenho escrito e dado palestras sobre seus malefícios.

2 – No livro você diz que a única coisa que excita os produtores desta indústria é o lucro.

Nós pensamos que pornografia tem a ver com fantasia, mas na verdade é um negócio de bilhões de dólares. Os pornógrafos estão interessados em lucros e farão o que acharem necessário para isso, mesmo que signifique tratar as mulheres de forma humilhante e cruel. E é isto o que eles fazem.

3 – Você acredita então que a pornografia deveria ser proibida?
Eu acho que a forma mais sensata é fazer leis como a criada por Andrea Dworkin e Catherine MacKinnon (feministas que conseguiram levantar leis restringindo a pornografia nos Estados Unidos) que define a pornografia como violação dos direitos civis das mulheres e visa indenizar pessoas que foram prejudicadas.. Já que tudo gira em torno do dinheiro, quanto mais doer no bolso deles melhor!

4 – Você acha que o público pede imagens fortes ou os produtores criam esta necessidade?

Esta questão é a chave para entender como a indústria pornô funciona. Os consumidores estão exigindo filmes cada vez mais agressivos, mas esta demanda está associada ao consumo anterior de pornografia. Graças à introdução deste conteúdo em grande volume na internet, tudo se torna entediante rapidamente. Para se manterem excitados, estes homens querem conteúdo mais agressivo, bizarro e cruel. No passado, os meninos tinham o primeiro contato com o erotismo através de revistas de mulheres nuas de seus pais. E elas já eram sexistas o suficiente. Hoje, no lugar de mulheres nuas com sorrisos tímidos, os meninos encontram imagens agressivas e bizarras. É com estas imagens que eles constroem seus pensamentos sobre sexo. E o sexo pornô é isento de sentimentos, intimidade, respeito ou qualquer relação emocional.

5 – Os consumidores de pornografia estão ficando mais jovens?

Estudos mostram que a primeira aproximação com o universo pornô se dá aos 11 anos. Nesta idade os meninos não têm qualquer experiência sexual. Significa que o sexo pornô se torna a referência do que eles entenderão por sexo “normal”. E não é só na pornografia, nós vivemos uma era “hipersexualizada”. A mulher aparece em filmes, músicas, televisão pronta para o sexo.

6 – Um garoto que consome pornografia tão cedo se torna que tipo de adulto?

Quanto mais cedo o menino conhece pornografia mais ele vai consumí-la por toda a vida. Alguns se sentem frustrados porque não conseguem o mesmo desempenho dos atores e outros até acabam perdendo o interesse no sexo com outro ser humano. Por outras vezes, aquele homem só vai conseguir o orgasmo puxando suas cenas favoritas na mente.

7 – E uma garota?

A base dos consumidores de pornografia é masculina. A indústria está tentando descobrir métodos para seduzir as mulheres, mas isto ainda é ínfimo. Para muitas mulheres a pornografia desempenha um papel importante na vida sexual porque os parceiros querem assistir ou reproduzir o que viram na tela com elas. E as mulheres atendem às exigências masculinas porque recusá-las significa puritanismo para a sociedade atual. As mulheres sentem que não podem competir com corpos bronzeados, torneados, cirurgicamente modificados das mulheres dos filmes eróticos.

8 – Você acredita que a violência contra a mulher tem ligação com a pornografia?

Nós não vemos desta forma tão simplista. Pelo contrário, defendemos que a pornografia tem efeitos complexos e de múltiplas camadas sobre a sexualidade masculina e que o estupro é uma prática cultural fruto de uma sociedade dominada pelos homens. Em vez de dizermos “a pornografia causa estupro” preferimos questionar quais as mensagens passadas pela pornografia e como elas moldam nossa realidade.

9 – Você diz que a pornografia promove o racismo. De que forma isto acontece?

As imagens de pessoas negras e asiáticas são estereotipadas na pornografia. As mulheres asiáticas aparecem como gueixas e são descritas como perfeitos objetos sexuais. Já os homens negros aparecem nos papéis de violadores, fora de controle. Estes preconceitos ficarão sempre em voga enquanto pessoas se excitarem com eles através da pornografia.

10 – Por que o consumo de pornografia aumenta?

A indústria pornô tem feito um excelente trabalho ao vender sua imagem como algo divertido e inofensivo. Ser antipornografia é visto hoje como ser antissexo. E isto é ridículo porque a pornografia é um produto industrial e uma forma mercantil da sexualidade e não uma representação real do sexo.